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Mostrando postagens de março, 2021

31. Serpentário

No imaginário adormecido, afetações não processadas emergem de um canto a outro. Elas são estendidas ao extremo de seus limites. O desenho é borrado para abranger o impossível. Lá, o irreal fascina o que foi barrado pelos filtros do cognoscível. O que é isso? Em boa parte do cotidiano, certos aspectos da vivência são escanteados para noutro momento serem interpretados e, a seu tempo, valorados pela memória. O descanso repousa o corpo, as fortalezas de proteção entram em manutenção. Para alevante, o que implica em movimento. Sonho ou pesadelo, é hora de acordar.  Atravessava um babaçual. O terreno entrecortado declinava rumo a um riacho amarelado. Pelo acinzentado da terra, não avistei vivalma. Senti, não sei o porquê, que caminhava em berço de cobras. A podridão anunciada pelo ar. É possível um sonho ter cheiro? Ao longe, ossos brancos roídos pelo tempo. Depois de acordar, reaver a lembrança, percebi que quem faltava ali era eu. Apófis, Meretseger… Filetes de luz atravessam a porta.  D

30. Canção antiga

My tears dry own their on . Meia hora por ver a chuva cair. O gotejar gélido aos pés, o vento frio ao rosto. O pequizeiro à frente rodeado por bois que vagavam por comida. Tem horas que a vontade de chorar é forte, mas, ao que parece, tudo ali dentro já secou. E nada sai. O olho no horizonte. As luzes do poste, borradas, aparentam um incêndio. O escape sempre à deriva, uma tangente do que está por lá. Há algo preso no meu peito. Não é alguém, uma situação, um sonho, uma vontade. Há algo que não sai. A não ser eu.  

29. Notas de celular

Montanhas russas e eternos retornos (2021) Todo dia eu me arrependo de algo. Desde pequeno carrego uma angustia no peito. Um dia, achei que ela seria apagada com um amor. Encontrei "um amor", mas a única coisa que se apagou foi a minha subjetividade. Apaguei muitos traços de mim para, no fim, ser apagado de vez, agora, da vida alheia. Vida que já não era mais minha. Acho que ser gay destrói a gente desde cedo. Quando a gente aprende a confiar, uma parte do mundo desaba. E se afunda só. As vezes, eu até tento chorar, mas acho que não consigo. Aos poucos, tudo aquilo que me fazia ser menos infeliz, por desgosto alheio, acaba sendo atravessado junto. Não gosto mais de assistir HP, não gosto mais de caminhar, de andar por horas e horas sozinho. Toda vez que chego perto de alguém, ouço reclamações, nunca soluções, somente problemas. Isso cansa. Tento ser engraçado, mudar de assunto, mas Deus sabe o quanto me dói sentir o outro e não ser sentido, querer espaço. Gosto de pessoas aut

28. História do tempo

Delta do Parnaíba (2020) TROVÃO Alado silêncio, olhar turvado. Linhas no horizonte atravessar. Céu de quando luz acinzentado. Outrora é tempo, uma flecha no ar.