Todo dia eu me arrependo de algo. Desde pequeno carrego uma angustia no peito. Um dia, achei que ela seria apagada com um amor. Encontrei "um amor", mas a única coisa que se apagou foi a minha subjetividade. Apaguei muitos traços de mim para, no fim, ser apagado de vez, agora, da vida alheia. Vida que já não era mais minha. Acho que ser gay destrói a gente desde cedo. Quando a gente aprende a confiar, uma parte do mundo desaba. E se afunda só. As vezes, eu até tento chorar, mas acho que não consigo. Aos poucos, tudo aquilo que me fazia ser menos infeliz, por desgosto alheio, acaba sendo atravessado junto. Não gosto mais de assistir HP, não gosto mais de caminhar, de andar por horas e horas sozinho. Toda vez que chego perto de alguém, ouço reclamações, nunca soluções, somente problemas. Isso cansa. Tento ser engraçado, mudar de assunto, mas Deus sabe o quanto me dói sentir o outro e não ser sentido, querer espaço. Gosto de pessoas autossuficientes. E ao longo do tempo aprendi a ser também. Não sei onde fui perdendo o encanto de mistérios, de descobrimentos. Hoje, ao que parece, tudo ao meu redor me frustra, me arranha, me deixa ainda mais distanciado de tudo. É um mecanismo de proteção que, depois de apontado, acabei percebendo em mim o tempo todo. Não gosto dele, mas as vezes acho que é a última porta fechada pela mente antes de desabar. E não desabo de triste, mas de cansado. É ruim passar a vida com pessoas às costas. Da escola à família, do trabalho aos amigos. Ando tão sem rumo. Não como o adolescente que ainda tinha sonhos, planos, mas de ficar pensando se isso vale mesmo a pena. Cada esforço, cada dia que levanto sem coragem, ansioso demais para voltar a dormir, pensativo demais para concluir qualquer coisa. E isso é ser adulto, eu sei. O Nietzsche insistia em "parir estrelas brilhantes". Planetas esgotados, de massa condensada, que cansada dela mesma, contraiu e explodiu. No lugar que costumava ficar, ela já não existe, mas, dia após dia, atravessa as eras para iluminar a noite. Queria que as pessoas começassem a usar essa escuridão ao redor para, em contraste, reforçar ainda mais aquele lampião que insiste em permanecer aceso. De todos os cacos, um kintsuji.
Montanhas russas e eternos retornos (2021)
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