Rio Longá em Boqueirão (PI)
Esse retrato ganhou um concurso de fotografias. Está em na agenda (2023) de uma instituição pública piauiense. As paisagens bucólicas são encantadoras. Quando o cansaço da bicicleta aperta, elas revigoram a passagem entre José de Freitas (PI) e Cabeceiras (PI). A vegetação esverdeada pela chuva, as nuvens esparsas que de quando em quando encobrem o sol. Os corpos d'água que se vê pelo caminho. É raridade, é pureza. Eu amo o interior do Piauí.
Há uma semana comecei o meu segundo curso técnico. Quando ingressei no instituto federal, a afeição pela matemática projetou duas opções: informática ou contabilidade. Um pela manhã; o outro à tarde. Uma exata com começo, meio e resultado; a outra humana: inconstância, projeções e perspectivas. Foram quase cinco anos enfrentando o sol do meio-dia, ouvindo a seleção de melhores músicas do Roberto Carlos nas linhas 104 (Santa Maria Shopping) ou 201 (Santa Maria Centenário). Ouvir Amada Amante na trilha sonora de Tapas e Beijos me acertou, como era esperado, de emoção e nostalgia. Hoje, com as oscilações vivenciadas desde aquela escolha, pude perceber que, além de me maravilhar com o funcionamento de computadores da forma como nunca me alegrei nas outras formações, a vida acontece para que nossas experiências se transformem em sorte. E o destino, óbvio, é sempre construído.
Escanteando o lattes, sou diagnosticado com o Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE). Sim, no início também confundi com o parônimo e, em que pesem traços assemelhados, são completamente distintos. Como descobri? Primeiro: dentista por conta do briquismo. De certo, ignorei a recomendação. Segundo: gastroenterologista depois de uma série de exames para descobrir a causa de certas dores na região da barriga que, lavado de roupa, me torciam do avesso: eu chorava sem poder me mover, sequer falar, enquanto o meu tórax contraía e agulhadas me atravessavam de um lado a outro. Enquanto isso, definhava já próximo da inanição porque, toda vez que comia, a tortura começava novamente. Fiz de tudo: testes de intolerância, a famosa borracha com câmera por cima e por baixo, remédios para gases. A resposta foi: "isso é psicológico". Terceiro: engolindo o preconceito de que "eu não sou doido", em poucos encontros a psiquiatra entregou o laudo. Entendi as muitas situações que vivenciei. Umas já nem lembrava, ou preferi recalcar e, da lembrança, a explicação das dores e da patologia em si. Para ser mais claro: fui abusado quando ainda era criança por um parente. De lá, o combo clássico: "se tu contar, eu te mato; tu vai para o inferno". Com as sessões, relatos familiares pareceram então fazer sentido: deitar de olhos fechados na avenida onde passavam ônibus, os remédios no armário da minha avó, as folhas de não-se-pode que engoli. Se para a sua mãe, tudo é pecado; para o seu pai, é motivo para espancamento, aquilo parecia uma solução. Em algum momento, concordei com "relações interpessoais não são gratificantes" e o silêncio forçado começou a enraizar em mim. E o mundo pareceu também silenciar aos poucos. Não culpo meus genitores. De jeito algum. Eles fizeram o melhor que podiam para me criar. Ambos têm históricos mais doloridos que o meu. Pelo contrário. O casamento deles somente durou para que seus filhos pudessem ser criados. E, depois de adulto, percebo que eles, àquela época, deveriam estar igualmente ou ainda mais perdidos. "Somos os mesmos e vivemos como os nossos pais". Com a vida, você é forçado a tomar escolhas. E eu sou eternamente grato por terem me escolhido.
Eu amo meus pais, familiares, amigos, companheiros de trabalho. Isso me fez querer saber o que me acometia, pois, no fim, sinto, abstratamente, culpa por não saber sentir ou demonstrar como eles. Não tem cura. Com o ceratocone no olho direito, a idade avançando e a vida em movimento, resolvi escrever sobre isso. A escrita é linha de fuga. É meu remédio.
Comentários
Postar um comentário