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3. Ὠκεανός


O Twitter foi a primeira rede social que me registrei. Os pássaros desbravadores de uma terra sem lei. Discursar para todos e para ninguém, os cochichos de uma reclamação, de uma saudação. Ele foi referenciado em um episódio de CSI e, investigador, corri para anotar na apostila do curso de informática que fazia. [Ora, Ricardo, apostilar é justamente anotar em um canto. Quanta redundância!] Desde cedo, acostumado com os parcos recursos de morador suburbano em uma cidade subdesenvolvida, os domingos eram alegres porque esse curso, fruto de uma bolsa da escola, permitia o acesso à internet. Era uma novidade. Quando, hoje, perguntam sobre as habilidades com computação, agradeço mentalmente aos proprietários de lan houses e aos computadores dali que, pacientemente, propiciaram as cores pasteis e aberrantes dos primeiros quadros [ou os embustes clássicos e rebuscadamente caprichosos de um iniciante]. Erros audaciosos. Quando o centro de Teresina não era tão perigoso, próximo da beleza de ruas nomeadas por flores, apropriado seja H. Dobal, descia na parada de ônibus da Igreja São Benedito, ladeando o Palácio de Karnak, os dedos dançavam pelas grades escuras em que se escoravam os ramos dos arvoredos que o guarnecem, ora se misturavam com a sujeira impregnada pelos escapamentos dos carros, ora se entrelaçavam para acolher uma flor apanhada do chão. O abeiramento da praça Pedro II, do Teatro Quatro de Setembro e o adentrar em um prédio antigo em “x” com a praça João Luís Ferreira. Para que a descrição não seja um enfadonho tracejo do Google Maps, “x” com alguma coisa é uma expressão de significância recente até para o subscritor. Em ruas que se cruzam, a aposição de um referencial é medida pelo encontro de arestas em forma oposta, os lados de um espelho sem a duplicidade, pelo contrário, justapostos por sua diferenciação. Confuso, não é? Gosto disso. Uma explicação que se contradiz na própria essência e, ao invés de ajudar, dispersa como promessa materna sobre a volta. O silêncio das ruas desertas recitava memórias que não eram minhas, desapercebidas de qualquer presença, os locais sempre movimentados eram, por aqueles horários, esvaziados de pessoas, mas povoados de sentido. Falo do Twitter ou do centro de Teresina? Já nem sei. Talvez, das folhas caídas e balançadas ao vento que, por um acaso qualquer, bendiziam o único som da enunciação vespertina. Ah, era isso! O acaso. Trouxemos as crianças de volta, making mama so proud, all the voices are too loud. Cada esquina sem ninguém redobrava uma retórica atirada por entre sinais do tempo. A rachadura de uma parede centenária, a fenda de uma janela inutilizável, um desgaste na tintura saturada de sol, um portão enferrujado que, em sua lamúria, queixa-se de quem o abre por maus agouros. Quantos passam por aqui e, hoje, apenas um. Um rei só, um só rei. Words are very unnecessary, they could only do warm. Os destroços de um passado imperioso circunscritos pelas fissuras de uma calçada. Houve um passado ou apenas uma flor? Os limites do tempo e, de toda sorte, a temporalidade de limitações. Os abalos demarcando as horas de ti. Entendes o que digo, o que é verdadeiramente indecoroso, quase preocupante. O caos conjurado, apossado de um codinome qualquer, capitaneia uma embarcação sem rumo. Se toma rumo é porque, no mínimo, todos os outros barcos estão à deriva. Nunca te vi, concretamente falando, não lembro exatamente quando te segui ou o porque de ter te seguido. Isso é estranho. Por certo, outra caminhada noturna ao longo de um deserto escutei um som longínquo, parecido com o barulho de ferro retorcido. Frio ao toque e brilhante ao olhar, algo belicamente se fundia e centelhava pelos céus. Um coração, um zepelim. Cem anos a frente, ares leves e, por gracejo, levianos. Um cometa. Um sorriso por hahaha. O cansaço depois da fuga do toque de uma campainha, esbaforidos pela empreitada infracional, socorro encontrado na anuência silenciosa de uma insanidade compartilhada. E é tão bom se perder por mútuos. Para embelezar a vida, criação de realidades. Paralelas outras que, em “x”, bifurcam entre as aleatoriedades de uma flor redita por tangentes. Tanger os males que se aportam enquanto noites de céu estrelado, um véu que obscurece para criar, gracioso, uma atmosfera de medo. Por musicalidades, atear fogo a cada pedacinho dele e rir, pomposa e ensandecidamente, em uma piromania sem fim. Contigo o mundo cintila em desfazimento, um expandir de contorno para, dentro dele, esquadrinhar cada potencialidade e, quando retornar ao lugar comum, redefinir o agora. És outro e o tempo... É também outro. Um descaminho reescrito por paraquedas. O sufoco de pensar. De tanto empurrar, os pés se levam, malditos sejam, eles são sempre os culpados, a abeirar a ponte mais próxima. “Caio sem graça desse desencontro sem fim ou pulo para imensidão de meus infinitos?”. I love you but I'm [completaly] lost. Astronauta de universos outros, sem a pretensão de neles estar, permanecer, fluir em ventanias, varrer por significados inauditos as folhas de uma primavera. Rios que correm de baixo para cima. Atravessar cada um deles com a certeza de que, como suas águas, você nunca mais será o mesmo. Escrever por pílulas e se entender por elas, “Paulo, as muitas letras te fazem delirar”. Dez anos, duas contas e uma das melhores pessoas que já conheci, senão a mais incrível, é desse mundo de discursar na beirada de uma calçada, no álbum de figurinhas, compartilhar pequenas colações de acasos. Andarilho de ruas solitárias, assobia para espantar escuridões e agradecer pelos dias amanhecidos depois de recorrentes desencontros. Um sorriso e um isqueiro para cada um desses males!

Dias outros,
Dias mil,
O tempo depois de ti passa
E ainda é abril

Um ano em silêncio,
De silêncios, escutar
O gracejo de outrora
O agora num revoar

Leve e alheio, pássaro
N'amanheceres, reluzir
O caos aqui é poeta
Afasta tantas noites
E acalma, faz sorrir.

Por fragmentos, ler
Nas entrelinhas da vida, lições
De um eterno cair
Para sempre,
Como o vento
Reescrever e redigir

Dias mil
Dias outros
O tempo depois de ti passa
E só nos presenteia com tesouros

Ps.: eu amo pós escritos. Quase um filme da Marvel (port 404 not found). Depois de reorganizar tudo, esse será um conjunto de capítulos sobre “notas que salvo, mas que nunca escrevo”. E, como viu, ele é todo para ti. Oscilar entre aspas, entre linhas, em cada espaço vazio, um significado despenca dos céus e você não consegue nomear. No retorno, uma ausência, uma fotografia, uma frase dita sem qualquer contextualização que não o existir. Abstraído para voar... Faz um tempo que já não me sinto bem, acho que você reconhece essa sensação de se alhear. Os últimos meses têm sido terríveis, mas, ainda que sem dizer, você ajuda tanto. Nunca fui de falar sobre problemas, todos passamos cotidianamente por eles e nem por isso padecemos. Tem uma fortaleza em ti e acho isso tão bonito. É ela que me inspira. Esse texto é simples, a glória dele é nada sobre ti dizer, reutilizar as fissuras por pontes, uma travessia e um portal, eles sempre estiveram ali. E assim é a vida. Tem mais entre os silêncios do que se pode nomear, descrever. Obrigado pelos teus caos, G! Por cada gracejo e também por cada encanto!

Pss.: Escrevi isso na eminência de um surto de H1N1. Reli esse texto e nem sei o porquê de ter escrito. Ele é tão estranho, não diz absolutamente nada.

Psss.: Ah, agora lembrei. Um dia antes de escrever isso, esperava o último ônibus para retornar à minha casa. Eram quase onze da noite. Sentei em uma parada que ladeia a João XXIII, observando o fluxo de carros e de poucas pessoas que, por desconhecida motivação, ainda se aventuravam pelas ruas. Por esses momentos, os pensamentos se reportam a épocas idas, ou épocas nenhumas. O cansaço de uma semana – ou de anos – se amontoa entre os destroços de um juízo e, ainda que sem querer, a ausência de pensamentos é a única saída para escapar de um surto. A vontade incessante de “resetar” cada instante de criação de abismos, armadilhas de um sentir que se foi há tempos, resquícios de partituras que soam diferentes, quase diferidas. Uma luz é assenhorada pela situação, uma perspectiva nova é esquadrinhada por entre os contornos de outrora. “Ah, então era isso” ou “seria isso, do contrário”. Os olhos se fixam naquele ponto do infinito em que os extremos da realidade são confundidos com os toques de atmosferas irreais. O cair hipnótico dos grãos de areia dissolvem o tempo e o corpo em imaginários sem forma. Um irreal de ti, um jeito de se compensar. Os pássaros voláteis são subtraídos a custo de te subtraírem também. E quase fui, variadas vezes, subtraído nesses momentos (material e subjetivamente falando). Em uma benção, dessa vez acordei do passeio mental. Quando avistei um rapaz, com sublinhada determinação, se aproximando do local em que sentei, percebi que era hora de ir. Ele aprumou a mão por entre as calças e sacou um revolver. Não lembro das palavras exatas ditas para quem estava do meu lado, por certo já estava no posto de gasolina a um quarteirão dali. É... Não é uma história gloriosa, na verdade, a covardia me fez colonizador e, literalmente, “corri para as colinas”. Não sei se era esse o significado de “linha de fuga” do Deleuze, talvez seja, “fugir de apropriações”. Ora, por influências dos males modernos, aqui é um ponto em branco para que, futuramente, críticos sociais se redobrem sobre linha. HAHA. Volvendo ao cotejo, por influência dos males modernos, o rapaz se apossaria do que tinha. Certa vez li uma aproximação entre a atualidade caótica e a série dos zumbis. Um personagem aleatoriamente diz “quanto mais paramos, mais perigoso fica” ou algo por esses sentidos. Constantemente caminhamos por cima dos cacos da modernidade, os sonhos lustrosos de um futuro promissor são desfeitos por cada retorno aos valores que se perdem ao refletirem sobre si. “Há quem sirvo se oco sou?” O vazio arrasta e leva o restante. Um buraco negro que tudo desfaz, os limites de algo que realmente se desconhecem foram alcançados, a inversão de tudo pelos avessos e os avessos de uma inversão. Para proteção, o abrigo por falseamentos, desculpas a fim de não ver, distrações para não ouvir, dissipar para já não sentir. É a realidade que se apossa das entranhas e se ora satura para zerar, ora se apruma noutros instrumentais que para potencializar. A intensidade incutida em cada transição redobra a apatia por outros fundos, uma oportunidade de, apesar de tudo, exaltar a vida. Quando o ônibus enfim passou, cada movimento se tornou único, cada atitude se refez por outra luz, os espectros que minudenciam a enunciação de um desfazimento constante reavivaram as ressonâncias de um coração que pulsa. Quando cheguei em casa, quis dizer com palavras o quão importante você é para mim, mas não sei bem como dizer, por isso o redigir de um capítulo – ou de um livro – todo estranho, de estranhamentos. Palavras são as formas que encontrei para organizar o que sinto, apossamento dessas realidades que se esbarram e se confundem. Retirá-las cegas do escuro, “passando um pano” para limpar os resquícios de um espaço sem jeito, carcomido pela temporalidade de um vexame, na verdade, de constantes vexames. Receber visitas que, tão bem perdidas quanto você, se aliam por ligações que ultrapassam as limitações de um campo físico, ressoam por entre divagações de consciência. A vida é meio caótica, mas é também tão bonita (eu acho que ela é aquariana). É como a chuva que cai agora. Antes dela, o vento começou a soprar devagarinho, arrastando o silêncio que preenchia a tarde sábado por um sorriso abobado de quem presencia a raridade de uma aleatoriedade, aquela música da rádio... O balançar das roupas estendidas no varal que, por desídia, ali ficaram. Enquanto as apanhava, cada vez mais intenso, o vento pouco a pouco tocava o ar por notas cálidas. Gotículas frias. Na pele, um “sentir vivo”, “estar vivo” como uma espécie de carinho sem jeito.

Pelos outonos do agora,
Ressoam os desagues dantes,
Sem os restantes de outrora,
Tua ternura tão inconstante.

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