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4. Alvorada


Uma compilação de tudo aquilo que já te escrevi. O roubo das outras cartas em sua casa chateou a você e a mim. Não por te aportar em culpa (sequer acredito nisso, “culpar”... Quem é que tem causa na forma como o mundo é ou, em tese, se propõe a ser? Os parâmetros de quem foram escolhidos em preterição aos de outrem?). Chateado porque não lembro com precisão do conteúdo das cartas que redigo, por isso não as consigo reproduzir com exatidão, elas são desagues do que sinto, rios que se apartam da nascente e procuram um oceano outro, maneira encontrada para não surtar ou não se afogar. E cada um de nós tem seus meios de se dissipar, de se tornar leve. Quando escrevo, fragmentos se materializam em linhas, pontes entre os abismos de dois – ou de muitos. Uni os rascunhos que precederam e os que não foram alocados, alguns encontrei no blog. E assim como a vida quando algo nos retira devolve com o apuro de um amanhecer, tudo é sempre e, silenciosamente, um novo dia...

“Eu não aguento mais. Eu queria fugir daqui. Desculpa por mim, desculpa por eu ter problemas demais. Não quero ninguém entrando na minha vida porque sofrerão. E eu não quero que ninguém sofra e passe pelos meus problemas”.

O coração aperta por te ver assim... Nunca esqueço quando te vi naquele ônibus. Você sentou na cadeira vazia, cuidadosamente pôs os fones quebrados, recostou a cabeça na janela, fixou os olhos cansados no horizonte e se perdeu dentro de um universo só teu, de um universo em que ninguém te ferisse. Teus pássaros voaram dali até onde não já não se poderiam ver. Ali percebi que precisava de ajuda. Teu espírito pedia um tempo, um tempo de todas as angústias, de todos os problemas, de todas as necessidades silenciadas para não incomodar, pois, em pedidos de socorro, ouvia sua própria voz atravessando os céus e ecoando sem resposta, o vazio de noites sombrias que constantemente assomam o teu coração. Você não é só a pessoa mais doce que conheço, mas a criatura mais humana que já vi. A criança perdida entre o tiroteio dos pais. Cedo aprendeu a lidar com a guerra constante que havia fora e dentro de si, os estilhaços de uma alma pura que de tanto doer, acolheu-se em uma sólida camada de não sentir. Enquanto os outros se exprimem ao sol, constantemente se recolhe em seus castelos. Como o Pequeno Príncipe, sozinho, habita entre as rosas que cuida. Em seu espinhal, aprendeu a se cortar, pela alegria das rosas, solitário a sangrar. Sangra o peito em desencanto para aos outros proteger. Para ser forte, aprendeu a esquecer de si. O quanto te admiro e temo por ti. Pelo quanto a vida já te fez passar e você, a custo de Atlas – com o mundo nas costas, se mantém de pé. Quando as lágrimas cansadas de cair são hoje chuva. Gotas silenciosas que tocam o teto, uma poça em pinga-pinga, fazendo os pés se molharem. No vento, um frio de gelar os ossos. O sussurro de segredos. Tua pureza advém da tua alma. No fundo, você e ela sabem que um dia tudo isso valerá a pena, por mais que doa, por mais que sangre. Não se desculpe por guardar a vida entre flores e amanheceres e celestiais. O rio dela é difícil de atravessar. Nele, você quase se afogou, mas tenha certeza de que tens um barco em que te firmas. Ainda que diante da desolação ou só, em meio a multidão, já não há nada a temer. Deus sempre está contigo. "Olhe para as estrelas. Veja o quão brilham para ti e para tudo o que fazes [Coldplay – Yellow]”.

Ela gosta de flores,
Com cuidado, regá-las.
Em cada dia, assistir
Ao esforço compensado
Em botões a se abrir

Em seu verdejar, luz.
Os toques de arco-íris
Como os sóis e os amores
Tem de todas as cores

Sua linda fé a conduz
Em sua beleza, vê
Que da terra renasce
E o cultivo de dentro
Só advém de você

Tantas rachaduras,
Entre elas a crescer
Cansada de sofrer,
Resolveu se plantar,
Cultiva agora a vida,
Em um eterno cantar

Afastou então as suas dores
E assim sempre a florir
Ao futuro sorri
Ela gosta de flores!

Ps.: isso não é ilustrado por problemas técnicos (sem redes próximas, pacote de dados exaurido, velocidade reduzida, conseguintemente, conexão oscilante). Todavia, o carinho de cada verso é o requerido até a normalidade.

Pss.: desconhecido é o motivo de utilização de post scriptum – quanto mais um postquam post scriptum – quando tudo é editável. [Acho que já escrevi sobre isso. Estou envelhecendo, acostumemo-nos com as repetições. Elas são o gracejo da diferença, em verdade, a única possibilidade dela existir]. Bem, em retorno, contrarrazoemos com flores. Cada vez que se observam, elas são percebidas noutros contornos, noutras nuances. Uma cor ao sol, uma cor à lua, um amarelar de sede, um verdejar de chuva, tudo é adicionado poeticamente, em sua necessidade, em seu equilíbrio. Uma memória esquecida pela pressa de redigir, rimar, alinhar o letramento escolhido aos espaçamentos do parágrafo. Isso é importante. De sobressalto, as palavras pululam como as ideias e a linguística – um insight, entre os extremos de suas possibilidades. O retorno às flores em pós-escritos, em outras cores. Essa é sua beleza. Em esperança, cuidado e zelo, implicar nos detalhes... Ei, mas, falávamos de gracejos ou de flores? Ora, quem é que sabe...

Em substituição aos diários, aqueles com cadeadinhos de coração e tudo (hum..., sei...), os blogues são, ou eram até um dia desses, parte das demandas modernas. Os solitários que, cansados de falarem para si, escrevem, agora, para o mundo e, de similar modo, ainda para ninguém. Umas garrafas atiradas ao mar na esperança de que um aventureiro, navegando em sua nau, desfrutando de sua aleatoriedade, as abrisse e lesse, em alta voz do espírito, os segredos ali dentro guardados. Escrever é, antes de tudo, desenhar o caos de si por linhas que atravessam eras em gradiente de entonações outras. As dispersões da vida enquanto ondas que levam as garrafas de uma encosta a outra. Ondas do oceano e da música, criações sem precisão de tempo ou de espaço, requerem apenas encontros de espaços em branco, redizer por silêncios as anuências de espírito. O borbulhar de um sentimento, ou sua ausência, colorido em um escrito, em uma quota, em um som, em uma imagem. “Isso! Era disso que falava, sabe?!”. Curiosamente, envelhecer é aprender a se aconchegar entre as asas do tempo. No universo potteriano, a reverência por seus medos mensurará a aceitação do grifo em proporcionar momentos infinitos. Essa é sua mágica. “Fechação” e “afobamento” são rios rasos que, em suas pequenezas e avergonhados, turvam-se para falsear profundezas e supostamente amedrontar outros monstros. Em verdade, esquecidos de que sua beleza e força não estão em comportes ou aparências, mas em sua transição, em seu fluir. Cada um tem seu tempo, cada palavra tem seu lugar. Os abalos propostos pela vida são as badaladas do coração. Um relógio demarcando as horas de ti, os ponteiros de uma linguagem própria, ladeando um círculo vicioso. Nele, entre altos e baixos, a demonstração de infinitude da vida. Eras e épocas advindas da consciência de um riso que chora e de um choro que ri. Ah, a consciência... Noutra referência (acostume-se, o subscritor é órfão assumido), uma pensieve e, a seu modo, o classicista remordere (divagação, débito para postagem futura). Lembranças são entrecortadas de imensidão imanente; para análise, circunscritas em filetes prateados, iluminados ao luar. Gotas de chuva. Alguns detalhes, por equívoco ou necessidade, são esfumaçados, sublimados noutros, redigidos em branco para serem pintados com outras memórias. O fundo é o mesmo, a cor é que muda. Os enfeites de si são desfeitos em simplicidade, em um ser simples. Em verdade, em um estar simples. O ser é algo fechado, acabado e pronto, ao passo em que o estar é transição, processo, constante construção. Gosto da distinção verbal portuguesa, mas, nesse ponto, a união de ambos em um to be (ser e estar) é mais produtiva, pois remete a um deviant, um tornar, um vir-a-ser. Isso porque, quando o ser falha, o estar se apruma para encarar seus abismos entre outras possibilidades... Certa vez, alardearam “tua escrita é confusa”, o outro completa: “abstrata demais”, em arremate: “parece letra do Los Hermanos”. Ora, e o que nessa vida não é confuso? Os atalhos remetem a abismos, os caminhos empurram de volta ao começo, as escadas levam ao céu e de lá fazem despencar. Os cacos de tuas fortalezas, construídas pelos sonhos, desfeitos pela realidade, impondo-te por entre eles, descalço, andar até que aprendes tu a criar com eles os vitrais dos templos de ti, dos templos de adoração a vida em sua imensidão. O mundo é de fragmentos, pequenas ilhas que recitam outros lugares, horizontes além ou aquém de onde se aportam teus retornos em mergulhos do universo dentro de ti. Impõe criar pontes entre esses “lugares eternamente separados”. Somente por metáforas – essa “confusão musicalmente abstrata” – criam-se tais pontes, agenciam-se a realidade com a sinceridade dos sonhos, de se reinventar neles. O sentido está aí, ou melhor, os sentidos estão aí, você enquanto artesã de ti é que os guiará por silêncios, por entrelinhas, por espaços em branco, por noites de ti. Olharás para a escuridão de teu peito e serás sincero o suficiente para enxergar as estrelas que ali cintilam. Devirá então o vento que balança a copa de uma árvore e acaricia teu rosto, contando segredos da vida refeita a cada segundo enquanto potência, enquanto palheta de cores, enquanto fonte eterna de possibilidades. Aprenderá então a rir dos tropeços e te guiar até aquela linha no horizonte em que se reescrevem teus amanheceres. Encontrar entre os segredos alheios é tarefa do tempo. O tempo é audacioso porque, liberto, é pássaro que refaz na gravidade, que empurra para baixo, a leveza de seu voo. Unido ao céu, ignora seus efeitos sobre nós ou sua própria imensidão. A própria física o refaz um conceito impossível e nem por isso refutável, ele é artista, contraditório e desarrazoado na medida de suas possibilidades, assim como cada um de nós. Dito pelos doutos (o deboche com as re e ratificações institucionais de controle e poderio sobre o alheio – e também alheado desse joguinho enfadonho da dialética e das casinhas emboloradas de Édipo – sempre estarão por aqui, vez que não trabalhamos com ironias, jamais), salvo melhor juízo, sem abreviações, como se subjetividades pudessem se medir e, aos arrepios dos cortejos normativos, comparar-se; esse escrito era um prólogo, espécie de introdução. O início do exílio e da graça de Moisés também foi dado pelo cabo com intuito, senão pelo acaso, quiça, metafórico, de galantear a passagem e explicar a transição. Criei esse blogue para, com todos os floreios recitáveis de sua aura, agradecer a uma pessoa. Em uma confusão pelo atraso em direção ao estágio e das sensações acumuladas pelo tempo e ocasiões outras, avistei em um coletivo. Ainda não sei o porquê, o olhar fixou em sua cálida luz que, como aquelas primeiras horas da manhã, recitava um novo dia. Seu destaque entre todos os que também subiam, o encanto em cada pequeno gesto, a aproximação cândida em seus desígnios mágicos. A névoa carregada e subitamente dissipada por prosa e doçura – essa é uma introdução, os detalhes deste dia parecem se reescrever toda vez que o memoro. Outro número ao débito. A manhã do dia doze de dezembro de dois e mil e dezessete é um marco. Não foi a data em que te vi, mas a data em que entreguei uma carta. Nela, explicações sobre a plenitude que se instaurou em mim. Visão angelical e que empós, por desinências nominais e de batalhas travadas diariamente, constatada realidade. Por infortúnio, o seu conteúdo já não existe – isso não impede de se reinventar. Assim como as outras cartas que já escritas e entregues, a ideia do blogue é cotidianamente, agradecer pela inspiração e resiliência – grifada por sua musicalidade e beleza, tão comuns a ti. Não só o escrevente desde aquele dia, mas diferentes culturas encontraram no sol o antecessor de modos de interpretar a vida. Escolhi a divindade persa Mitra não sem razão. Além de trazer consigo o amanhecer, afastando as sombrias noites, as lutas travadas no adormecer de si – como também Osíris, Samas e Apolo –, ele originou a cidade solar e da fé. E aqui reside a diferença. Ou, talvez, o gracejo da repetição... Apropriações entre civilizações são mais frequentes que a própria história da humanidade tanto por isso traçados similares entre linguagens, símbolos, subjetividades. Encontrar no outro o seu limite, um esvaziamento, uma mescla fragmentária, uma separação e uma superação. Sem sair do lugar, desviar do outro e devir outro, ser outro. Os fundamentos de centros políticos de fé, pedras em joias, delineadas pelos pingentes, a religião. Em sua infinitude, a fé escapa por todos os lados, ela está em ti porque está em tudo, porque é tudo, porque é vida. E, como vida, escapa a nomes e apropriações. Religião enseja capturar a fé, circunscrevê-la numa prescrição. As religiões são práticas e, pois, culturais, eminentemente políticas; fé é mais profunda e ao mesmo tempo mais leve. Uma é castiçal, simulacro de fogo; a outra, um puro amanhecer, benção do sol nos horizontes de ti. Uma transcende; a outra, imana. Uma é poema, rima por contradições em anuências de espíritos, encanto em cada detalhe do mundo, em cada detalhe de alguém, agradecer por mistérios, duvidando da outra que os apruma nas mãos e os toma para si. Uma atua pelas mãos, a outra pelo coração. Ah, os tesouros ocultos das cidadelas do sol. Entre fé e fugas de apropriações, as musicalidades de amanheceres. Doutro lado, havendo sóis, pela conquista de rimas, requeridos também anoiteceres. Em seus plurais, a mitologia nórdica criou a runa Perthro e, na literalidade de sua etimologia, traduz desconhecido ou desconhecimento. Para muitos, representa o destino. E quem não o ama a ponto de repetir o seu inúmeras vezes, em um eterno retorno de tudo? Retorno do forte, do guerreiro de si, que, em seus modos de (r)existir, cria e se orgulha de tudo o que vive, de tudo o que faz, de tudo o que flui. Princípio ético, um amor fati. Na matemática, um ponto é atravessado por infinitas retas. Entretanto, dois pontos só podem ser atravessados por uma única. Um ponto é o nascimento, o outro, a morte. Entre eles, a destinação que encontramos à preciosidade da vida, somos linha, alinhamento, uma ponte entre extremos, “corda estirada entre o animal e o além-homem”. Os contornos dela até suas destinações são enigmáticos, quase hieróglifos. Em páginas maravilhosas, Deleuze desenha a terceira investida dessa linha, tão bem (im)possível, tracejada por Foucault. Não por outro motivo, os processos de subjetivação, que se precedem, em recitação mútua, de “poder” e “saber”. A identidade enquanto máscara em que se apoia para depois se desfazer em constantes carnavais. Quando essa linha faz a curva para com outras, a ela paralelamente dispostas, no infinito se encontrarem, ela se dobra em contornos e nos assentamos. É hora de seguir a o voo da bruxa, em um atravessar de eras... Talqualmente ao destino, aquela runa tem forma de cálice. A posição assumida assinala seu significado. Emborcada, é o saturado que, de muitas perdas, atingiu seus limites, protegendo-se das intensidades por detrás do vazio constante – o desconhecido (de si, dos outros, da vida). No meio termo, volvida de um lado ou outro, o que angaria forças para se preencher, está se preenchendo, abrindo-se ao mundo – o equilibrista. De pé, o vigor do que transborda o rio do universo que carrega em si e que é em si – o vivente. Uma fênix, a semente que do céu, em sua desinência celestial, atirada ao chão dá muito fruto [João – 12:24]. Crenças, mitologias, histórias ampersand – trocadilhos et a derradeira explicação – são formas de arte e enquanto tais servem para tornar a existência suportável, criando modos de exaltar a natureza em toda a sua força, em toda a inventividade. Essa capacidade humana de preencher os espaços vazios de nossa pequenez e transformar o que era aparentemente incompreensível em direcionamentos musicais de um espírito dançante, cálice que, outrora vazio, transborda toda a sua potência no agora. Assim como garrafas levavam segredos ao oceano, com esse blogue quero transformar o indizível em agradecimento por todos os toques de possível proporcionados pelos teus amanheceres.

Ps.: É preciso carregar extremos em si para entender contradições. A oscilação de uma constelação geminiana ou de libra. Outra história, outro débito.

Pss.: Relutei por tempos em assistir à série Black Mirror. Vi o primeiro episódio do político e não sei por qual motivo desanimei com o resto. Não sabia que, assim como a vida, a série é de fragmentos. É assuntível sem requerer uma ordem, uma temporada, uma história, mas uma coleção de acasos, de tudo. E isso é lindo! Daí uma amiga – que queria admitir outra coisa, além da beleza do episódio (HUHAUHAUHUAHUAHU, desde de quando aprendi a escrever para aconselhar as pessoas meio perdidas, uns doidos e doidas se apegam pelo que digo e recorrentemente apareço por “capitão psicólogo” ou por “apego” de alguém – e nunca sei se a pessoa acha que estou à pagode ou falando sério, então, rio e desconverso, até porque se for sério, creio logo que a pessoa é mentalmente desequilibrada ou algo assim. Mas, não sei o porquê, elas de vez em quando admitem sentimentos e verdades que até desconfortam, não por seu conteúdo em si, mas por ter de retirar maturidade de onde não possuo para oferecer um ombro amigo. E na maioria do tempo estou mais perdido do quem se acolhe entre o que escrevo, mas ver outra pessoa triste aperta meu coração... E é onde tiro forças para ir entre os silêncios de alguém e despertar um sorriso, ainda que por algo bobo. O riso de alguém é tão raro, tão especial. Essa mesma colega disse que a rispidez é uma névoa usada para afastar a fragilidade diante do sol, ou, em termos práticos, “um coração de manteiga”. Ela disse que era, vez por outra, atraída por mulheres e a resposta imediata foi “oxente, e quem não é? Mulheres são incríveis demais! É sério, acho lindo duas mulheres juntas”). Conversa vai, conversa vem, indicou o episódio San Junipero. Bem, sou um pouco duro da queda, mas ele me arrancou um choro tão sincero. O que ele rediz em silêncio é tão puro, tão lúcido... Entendi o porquê de sempre achar bonito a união entre pessoas. Não é cor, não é altura, não é nome, não é sexualidade, mas o compromisso de estar ao lado de quem se ama, de quem se quer construir algo junto em meio a todo esse caos do mundo. É compromisso de mesmo nas horas mais devastadoras, presenciar um conforto entre silêncios e não um desconforto por eles existirem, vivenciar um indizível, mas que se sente e se fortalece a cada momento ao lado, a cada deserto que antecede o paraíso. Terminei o episódio e fiz um poema, sem direcionar a ninguém. Não é nenhum “Casamento da Adelia Prado” (que, aliás, esse recomendo a todo casal do mundo), o meu rima demais, repete demais, quase não vejo o Ricardo nele, mas espero que ajude, senão você, alguém a encontrar algo, mesmo que seja em um caçoar, em uma comparação por “nota zero” ou abaixo disso, quem é que sabe, todo dia é um novo recomeço. Você pode recomeçar por ele.

Entre o entorno e o contorno,
Entre os rascunhos e esboços,
Entre o sol e o lar n'outeiro
Entre o quebrado e o inteiro.
Entre as entradas e saídas,
Entre as mágoas e as feridas,
Entre os castelos e a areia,
Entre o vendaval que destelha,
Um luzir no céu de centelhas.
Sair do entre e revoar,
Sair do ventre e festejar,
Sair d'outrora e recordar,
O jeito doce de teus olhos
Entre saídas a bilhar.
Jazer em cores, ensimesmar,
Redizer preces e confiar,
Coração não esquece
De nesse mar retornar,
Farto de fogo, por tudo, de todo fico,
Nas linhas de livro se leem abrigo.
Palavras de encanto, em silêncio cantar.
Refazer o agora para contigo estar.
Aperto no peito, oração a curar,
Ferida de dor que não quer sarar,
Pétalas arrancadas, pisoteadas,
Pó ao pó, por cinzas, aterradas
Renascer no novo, universo intrincada,
Remanejo de linhas, ela ri abobada.
Vento sopra e acalma o caminho,
Há pássaros belos retornando ao ninho,
Nas bordas da diferença, uma repetição.
Nos trajetos do tempo, indefinir, imperfeição
Nos entraves de desfazer, folhear e bendizer
Bendizer o movimento da vida em seu ritmo
Verdades inauditas, contradizer, contradizer
Com pés nas ondas, à maré volver
Esperar por ti empertiga a viver
A rever e rever.
Sentimentos tão lindos
Fizestes, tu, florescer
Para jamais esquecer
Que a razão de estar aqui
É mesma de amar você.

Pf.: “pê éfi” é a abreviação de pós-escrito final e não de prato feito, certo? Esse é só para que você assista ao episódio também. Ele diz tanto sem dizer nada, é incrível. Ah, e não se preocupe com tudo. Lembra da conversa sobre “coisas quebradas”? Então, ainda para elas a vida sempre encontra um jeito. Flores entre calçadas.

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