Era tarde quando abri o portão. Da recusa em entrar, duas cadeiras na calçada. Silêncio de anúncio. Anúncio de uma inquietação. Regência por tangentes. Aproximada de um canto, o revés de outro. Requer um outro. Um pouco de passado em acertos para o futuro. Fascinação por bordas. Cair por cada uma delas. Borragem de linhas através de um punhado de detalhes. Um círculo fechado por fora, uma costura de espaços. Minutos entrelaçados em aperto de mão. Inquietude de passar o dia por entre os abismos de quem se forçou prematuramente a lidar com o mundo, a carregar todas as implicações dele. Cada uma das fissuras que ora ou outra afugentaram o coração entre muralhas construídas para a proteção. Lemos juntos sobre “exaustão sentimental”. Apatia profunda de quem já não se alegra ou se encanta com o cotidiano. E, às vezes, de tantas intensidades, a vida nos satura. É o entorpecer do doente, do drogado, do enlouquecido. Cada um a seu modo, fugas de uma realidade que cava buracos na alma, criando vazios inominados. E eles sufocam, suprimem palavras de paz, vieses de esperança, traçados de qualquer confiança. Desconfiar de tudo o que requer o simples. A angústia de reconhecer na imensidão do universo. A infinitude de tudo o que cerceia, uma clausura, um sufoco. Forças que de súbito abraçam o corpo em uma reminiscência, um pesar sobre situações, recriar de possibilidades, entre os “e se tivesse sido de outro modo”. Remoer uma a uma as dores de um espírito cansado da luta. Sabedor de tudo o que lhe atinge, de tudo o que lhe é tangível. E se tange em outros ares. Há destroços aqui. Cacos pelos quais se forçam a passagem. Choro suprimido entre os dias solitários de quem se direciona por um só, por um silêncio só. Em verdade, uma coleção de silêncios. Profundezas de um oceano desprovido de todas as promessas quebrantadas por abalos de nós mesmos. Saturar é atingir um limite. Estender uma linha até onde já não se alcança e, finda sua estrutura, é empurrada à frente pelo costume. O embuste clássico de uma realidade suja, que escorre e escapa pelas mãos. Pia suja. Ruas lamacentas. As trevas que escondem as ruínas de templos caídos. Ruídos pelos tempos de outras eras, eras idas em que essa ausência de sentido era curada por palavras simples, por atitudes simples. Nada de mais, nada de menos. A alegria de ser por ser e de estar por estar. O curioso de se perder é justamente se afeiçoar com o caos. Paralelas esquadrinhadas por infinitudes. Um apuramento do que se pode, do que se quer, do que se constrói. "[...] é necessário ter um caos dentro de si para dar a luz a uma estrela brilhante”. Tradução imprecisa. Não captura o brilho das palavras. Abalos são requeridos para que uma estrela nasça, para que "dê a luz”. Brilhante é, por várias vezes, reescrito em “dançante”, “uma estrela dançante”. De acordo com a física, estrelas são planetas que se esgotaram. De tão esgotados, se encolheram, retraíram – por dentro de si – o que eram, o que podiam. Eles morreram e, ao invés de acabar, recriaram o impulso negativo em expansão, em impulsão para dentro e, depois, para o fora, requereram o fora, liberdade de explodir, de enlouquecer. Explodiram para atravessar o universo em pura luz, adensamento de tudo o que era, até ali, inservível em propulsão. O caos dançante e que dança em cada um. Um apuro de movimento. Saber que a vida é refeita de desfalques e ascensões. Recriada a cada impulso destinado a um fim e potencializar com isso um direcionamento. Perceber o ritmo, reconhecer o ritmo de si, as horas de si. Uma a uma, as quedas retomam as badaladas de um relógio, marcam os espaçamentos entre cada uma de tuas intensidades. Os fluxos que te tomam enquanto rio. És ponte, és passagem. Ponte "entre lugares eternamente separados" e por isso fantasiosa, por isso tão bela. Conter para promover, se reconhecer para ser reconhecido. Uma superação entre o que eras e aquilo que eternamente te tornas, o que te contornas, que se aprimora e refaz. E dizem que somente quem já sofreu demais compreende o sentido de humanidade. Alocar a si no outro e, de igual forma, o outro em si. Fazer de tudo um só. Um caos que te toma por pedaços e te faz no tempo, pelo vento, em folha. Folha que se leva e também é levada. Dentro dos olhos, enxergar as estrelas. Em cada um dos buracos cavados na alma, uma resistência por constelações. Encanto do olhar é redizer por entre abismos a beleza de seguir. Ainda que à volta em trevas, luminosidade. Dois leões incríveis: Aslam e Graograman. O primeiro das Fábulas de Nárnia. A presentação pura de Jesus. E Ele chorou [João 11:35]. O versículo mais curto e, para mim, o mais intenso de toda a bíblia. Soube que em si podia tudo, nele havia tudo, e ainda sim temeu. A vi cantando e chorei. E cantando segui. O segundo é da História Sem Fim. O multicolor que é morte. Traz consigo o deserto. Um desafio a percorrer, um infinito para se perder. Toda noite, ele morre para que uma floresta renasça. No amanhecer, um novo dia dele e de tudo. Tocar tudo o que pode e, por vezes, se apequenar. Caminhar em encantamento pelo universo do teu olhar e, nele, se perder, se encontrar. Imponente por entre teus ritmos, expandir, explodir, movimentar. Gosto tanto de Aslam e Graograman. Um olhar de céus. Ora se abrem em intensa claridade, céu límpido, sem nuvens. Ora reluzem por estrelas, envoltos de noites que se turvam em um averbar de profundo ódio ou de enigmas. Ora se abrigam por uma tristeza, um descontentamento e pedem um abraço. Cacto que flore entre espinhos e desertos. Bendizer de força e delicadeza. Um hieróglifo e uma esfinge. Decifra-me ou devoro-te. Fantasia é gênero favorito, por ser diferente, por ser pessoal, por ser único a cada um. É como vento a soprar por pequenas surpresas, entra pela janela em uma noite quente e te faz agradecer pelas pequenas coisas, pelas coisas simples, pelos toques simples. Ser leve e ser simples. É o destino de toda a humanidade.
Na caminhada de volta a tua casa, um céu sem estrelas.
Você me abraçou e começou a chorar.
Na caminhada de volta a tua casa, um céu sem estrelas.
Percebi sem querer, ela ir te deixar.
Na caminhada de volta p'ra casa, um céu sem estrelas.
Somente teus olhos, ali, por te guiar.
Na caminhada de volta p'ra casa, um céu sem estrelas.
Eu me deixei ir, eu te deixei levar.
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