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20. Laranja & tangerina


Quase uma hora quando resolvi pedalar. Ruas de ninguém assenhoradas de quando em quando por um farol. Tão logo se aproximavam, pela distância e como superposições, elas se afastavam. Pouco a pouco, a Igreja Matriz por um borrão azul. Era para ser mais uma ruminação sem graça. Outra entre as muitas de quem já nada sente. Deambular por aí sem qualquer mapeamento. Fluxos a desembocar em outros contornos. A barragem quase rompida. Pilares de um talude em apartação. Os destroços de cada um de nós. Abstração até a inconsciência da pura luz. Sentado no paredão, o cerco vestido de noite e uma lanterna que cintilava dentro do açude. Cada vez mais perto, um pescador em sua canoa. Equilíbrio. Pés a balançar na água. Voz de pronunciação do amanhã pelos fones de ouvido. Chasing Cars. Velhas lembranças. Queria morar no encontro de todos esses silêncios. Quando cada um desses abismos se fecha sobre si e faz brotar uma flor. A flor amarela apanhada entre as frestas de um muro e que é acariciada por entre os dedos. Ranhuras do tempo "E a previsão de tempo errada / Hoje fez um dia lindo ♪". Azedos cítricos. Eu, laranja; a vida, tangerina. 

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Lenda baleada pela segunda-feira Apossado de qualquer trocado para ir à locadora, sempre via um ou outro pôster da franquia Halloween . Ouvi toda a discografia da banda homônima - que por sinal emocionou demais na adolescência - antes de assistir aos filmes. E foi uma boa escolha. Terminei hoje à tarde os dois primeiros. No fundo, excluído o desejo homicida, eu sou o protagonista. Amo quando passo horas e horas a observar o mundo, o movimento das pessoas, o ritmo do que se leva e do que é levado. Em silêncio, diluir as inquietações pelo revés do olhar. As intensidades que colorem a mesmice da vida desembocando como cachoeira para dentro de mim. Desfocar o significado do que se vê. Apenas sentir. Ou, quem sabe, de canto a outro, imergir no que é desintegrado. No que está desintegrando. Ruínas de histórias. Um novo enredo que é levantado. O jeito com que ele apagou toda a subjetividade para, aguardando em hiatos, lançar o que restou pelas sombras. Beber da imortalidade. Anunciar a lucide

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Caminhos da roça Deus está no mundo, o mundo está em Deus. Tudo o que existe, existe em Deus. Essência é potência. Deus é a potência absolutamente infinita.  Com Deus, tudo é permitido [Benedictus de Spinoza]. Ele é fundo imanente por meio do qual as estruturas transcendentes se estabelecem em graus, gradientes e gradações. Ele é o horizonte celeste que é atravessado por um por do sol. A folha em branco onde se escrevem as histórias. As diferentes pressões que, confrontadas ou decompostas, ressoam como o vento. Elas são o vento. Ventanias que, de súbito, memoram situações.  Não sei bem que dia era aquele. Dentro do ônibus, indo para a faculdade. Meio vazio, igual ao coração. Ziguezagueava pelas ruas mal iluminadas da Nova Brasília. No fone de ouvido, uma canção que entrecortava o peito. Planet Caravan [Black Sabbath]. Com vontade de me matar. Não de tristeza. Ninguém se mata de tristeza. As pessoas já estão mortas por dentro quando decidem antecipar a única certeza que se tem na vida.

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