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25. Cantos no escuro

Princesa Mononoke (1997)

Identificar o comportamento de flocagem ("murmuração de pássaros") em (a) separação, (b) alinhamento e (c) coesão. Desterritorializar é apartar de limites, definições já não bastantes. Expansão de tudo o que se pode, avançar por sobre as bordas. Reterritorializar é alinhar por outra vez, ainda que no mesmo lugar, reconhecimento por outras cores. Territorializar é assenhorar um contexto. Definir, pelo alcance do som, os traços de autorreferência. Estar no mundo e ser o mundo. A névoa branca dissipada dos olhos. A beleza de um ritornelo. Rasga-mortalha aninhada em uma quinta próxima. Quando anoitece, sobe nos muramentos e vez por outra chirria. Se não mata por mau agouro, mata decerto pelo susto. É linda. Meditação em ruídos brancos. A uns, nascemos em plenitude. Por convenção, limites são aceitos com fim de fortalecimento do grupo. Desejo é sempre falta. A outros, nascemos de um caos. Somos o caos, caos do mundo. Todo excesso é potencial. O acúmulo é filtrável. A diferença entre a corda no pescoço e poema preso na garganta é a perspectiva. É preciso canalizar o excesso. Desejo é arte e criação. Uma pausa. Olhar afixado em um ponto no infinito. Silenciar o que está a volta em um outro plano. Caminhos assemelhados, quase iguais. Extensão de um sol. E também noite. Mais noite que chuva. E aqui chove. Um oceano de excessos. Escritos na areia, levados pelas ondas. Ritmo incerto, eterno vaivém. Ouvido assunta o que diz o interior de uma concha. Segredos depositados em desfiladeiros submersos. Profundezas esquecidas. Vez ou outra, a memória leva os pés – ou eles as levam – a abeirar os abismos sem fim. Borda de um infinito. Lá para onde tanto se olha… E de tanto olhar, se é olhado de volta. O arrepio na nuca. Há algo aqui. Acima, a parede de águas turvas. O sufoco de quase ceder e meio punhado de sonhos de outrora a ruir. Catedrais de futuros impossíveis. Fios de luz atravessam vitrais. É dia lá fora, mas, dentro do peito, já é noite há algum tempo. É preciso cair para poder, ali do chão, mudar a perspectiva. Enxergar as estrelas. Promessas da vida: pedem escuridão ao redor para exaltarem o seu próprio brilho. Astros que, esgotados e caídos, explodiram em pura luz. Nem por isso acabaram. Ao contrário. Agora, como crianças, brincam com a eternidade e atravessam as eras. Contam uma história. Todos carregam um pouco de trevas, o que se faz dela é o que importa. No desenho de criança, realce de cores é sinal etário. Mudança de fases como lagarta em sua crisálida. Apreciar os sentimentos é, de igual forma, aprender sobre estações. O balançar da copa de uma árvore e a beleza lúcida de uma folha que cai ao vento: na vida, tudo passa, é passageiro. É o que a faz preciosa… De poucos é a calma em saber que não se atravessa o mesmo rio duas vezes. Como águas que correm, você e o rio serão outros. O amanhecer tem sempre um cheiro de recomeçar. O(n²).

Time may change me but you can't trace time 
Changes - David Bowie, Hunk Dory (1971)

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Lenda baleada pela segunda-feira Apossado de qualquer trocado para ir à locadora, sempre via um ou outro pôster da franquia Halloween . Ouvi toda a discografia da banda homônima - que por sinal emocionou demais na adolescência - antes de assistir aos filmes. E foi uma boa escolha. Terminei hoje à tarde os dois primeiros. No fundo, excluído o desejo homicida, eu sou o protagonista. Amo quando passo horas e horas a observar o mundo, o movimento das pessoas, o ritmo do que se leva e do que é levado. Em silêncio, diluir as inquietações pelo revés do olhar. As intensidades que colorem a mesmice da vida desembocando como cachoeira para dentro de mim. Desfocar o significado do que se vê. Apenas sentir. Ou, quem sabe, de canto a outro, imergir no que é desintegrado. No que está desintegrando. Ruínas de histórias. Um novo enredo que é levantado. O jeito com que ele apagou toda a subjetividade para, aguardando em hiatos, lançar o que restou pelas sombras. Beber da imortalidade. Anunciar a lucide

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